19.10.09

Agora sim... ou ainda não?...

Raramente as oportunidades se repetem e, muitas vezes, quando queremos dizer que sim, já não vamos a tempo. Há um tempo certo para tudo. Então, agora sim, ou agora não?...

15.10.09

Ler em qualquer lugar, a qualquer preço

Descobri aqui esta ideia, interessante e prática (que já existe noutros países), que se espera que seja um contributo para a divulgação do livro e para a promoção da leitura.


A Leya instalou máquinas de venda automática de livros em duas estações da cidade de Lisboa, iniciativa que promete repetir e alargar a outros locais de grande movimento de pessoas. As máquinas contém livros da Colecção Bis - colecção de pequeno formato da Leya. Para além de acessível a todas as bolsas (os livros custam nas máquinas entre 6€ e 7,5€), a colecção inclui obras sobejamente conhecidas e de grande qualidade, como "Novos Contos da Montanha", de Miguel Torga, "O Vale da Paixão", de Lídia Jorge ou "As Intermitências da Morte", de Saramago, entre muitos outros. Desta colecção, um dos livros que recomendo vivamente, a qualquer pessoa, é "As Aventuras de João Sem Medo", de José Gomes Ferreira. É um livro que se lê muito bem, é divertido, mas, ao mesmo tempo, faz-nos pensar sobre várias questões que, no fundo, norteiam o mundo e a sociedade em que vivemos. Se clicar no nome dos livros, tem a possibilidade de ler o 1.º capítulo, gratuitamente. Fica a sugestão!

13.10.09

Mais uma ideia

Encontrei esta sugestão aqui. Inicialmente proposta para alunos, foi ligeiramente adaptada, porque pode ser aplicada com os adultos, nos Centros Novas Oportunidades, em workshops ou sessões de grupo.

O animador apresenta um saco opaco cheio de livros diversos (de géneros e temáticas distintas). Distribui vendas pelos adultos, que se sentam em círculo e as colocam. Em seguida, um a um tira um livro, que escolherá pelo tacto. (Provavelmente algumas pessoas escolherão livros mais estreitos, outras mais pequenos, outras de capa dura, de acordo com os preconceitos de leitura que cada um terá)
Finalmente, os adultos retiram as vendas e observam os livros, dialongando sobre o que lhes coube em sorte e fazendo apreciações sobre os livros dos colegas. Haverá livros conhecidos, outros desconhecidos, livros grossos de Banda-Desenhada (contrariando a ideia de que todos os livros grossos são difíceis de ler). A principal questão que norteará a discussão será a desilusão ou o agrado das pessoas relativamente aos livros disponíveis.
Assim, o animador possibilita às pessoas uma actividade lúdica de contacto com os livros, sem as obrigar a nenhuma leitura posterior. Será um momento em que se estimulará a leitura como comportamento através da partilha entre pares. Para o sucesso da actividade é essencial que nada mais seja feito com os livros, assim como que estes constem da biblioteca escolar, no caso de algum adulto manifestar interesse em lê-lo espontaneamente. Eventualmente, a actividade poderá até ter lugar no espaço da biblioteca, que deve estar aberta em horário pós-laboral e acessível a todos os que frequentem o Centro.

8.10.09

Para...


...ler, reler e pôr em perspectiva...


IMPRESSÃO DIGITAL


Os meus olhos são uns olhos,
E é com esses olhos uns
que eu vejo no mundo escolhos
onde outros, com outros olhos,
não vêem escolhos nenhuns.

Quem diz escolhos diz flores.
De tudo o mesmo se diz.
Onde uns vêem luto e dores
uns outros descobrem cores
do mais formoso matiz.

Nas ruas ou nas estradas
onde passa tanta gente,
uns vêem pedras pisadas,
mas outros, gnomos e fadas
num halo resplandecente.

Inútil seguir vizinhos,
querer ser depois ou ser antes.
Cada um é seus caminhos.
Onde Sancho vê moinhos
D. Quixote vê gigantes.

Vê moinhos? São moinhos.
Vê gigantes? São gigantes.


António Gedeão, in "Poemas Escolhidos"

1.10.09

Ciclos

Hoje cometi um pecado. Talvez um erro. Caí em tentação. Não sei, podia dar-lhe vários nomes. É preciso fazer uma ressalva, antes de ser Profissional RVC, sou Psicóloga. Foi para isso que estudei, é isso que gosto de fazer e me apaixona.
Hoje fui muito pouco Profissional RVC, hoje fui Psicóloga. Sinceramente, ao dizer isto, não sei se faz sentido. Não sei se alguma vez dissociei aquilo que sou daquilo que faço. Hoje ouvi, sobretudo. Ouvi as pessoas falarem sobre si, sobre as suas vidas, sobre as suas dores. E são tantas!... Homens e mulheres, cada um com os seus problemas. Estava a ouvir e a pensar como é que aquela pessoa que estava à minha frente, a chorar ou a conter-se para o não fazer, conseguia ainda arranjar coragem para escrever e reflectir a sua história de vida. Coloquei precisamente esta questão. Na maioria dos casos, percebi que a reflexão sobre o percurso de vida era até terapêutica, uma vez que havia uma maior consciência dos ciclos da mesma. Porque a vida é feita de ciclos. A vida é feita de momentos da maior felicidade, em que tudo parece simples e eterno, mas também é feita de dor, de sofrimento, de momentos que parecem, igualmente, não ter fim. E a vida é feita da capacidade de dar a volta aos ciclos negativos para os transformar em positivos. É isso que os "meus" adultos me ensinam diariamente. Ouvi-los é, também para mim, terapêutico. Por isso, ao agradecerem pelo tempo ou pelo desabafo, a única coisa que posso dizer é que eu é que tenho tanto, mas tanto a agradecer!

28.9.09

Partilhar a paixão pelos livros!

Uma ideia interessante para a promoção da leitura num Centro Novas Oportunidades, pode ser a criação de um blogue ou de uma rede social sobre leitura.
Todos os adultos devem ser incentivados a participar com os livros que vão lendo, mesmo a nível profissional. A ideia é serem trocadas sugestões e opiniões, que suscitem nos colegas o interesse pela leitura, quer através de resumos, quer de citações, quer de imagens.
Esse espaço pode ter também ligações para outras comunidades de leitores, para bibliotecas, livrarias e outros sites relacionados com a leitura.
Fica uma sugestão!

24.9.09

E/ou língua estrangeira?...

Comemora-se no próximo dia 26 o Dia Europeu das Línguas, proclamado pelo Conselho da Europa no final do Ano Europeu das Línguas, em 2001, e que pretende incentivar a aprendizagem das línguas entre todos os grupos etários, bem como destacar a importância da diversidade linguística. É importante partir do princípio que a aprendizagem de línguas é um processo que dura toda a vida e não se limita apenas à escola.
Segundo dados divulgados hoje pelo Eurostat, Portugal é o segundo país da União Europeia (UE) onde menos adultos falam uma língua estrangeira. Cerca de 51% de adultos entre os 25 e os 64 anos não falam qualquer língua estrangeira, contra 36,2% da média da UE. (Fonte: Público)
Estes dados não deixam de ser preocupantes, uma vez que o domínio de línguas estrangeiras é fundamental na economia moderna e no mundo do trabalho, que cada vez é mais global e competitivo.
Não podemos deixar de reflectir e de pensar o que está a ser feito neste momento a este nível, para a população adulta. Como reconhecer competências que a grande maioria dos adultos não possui?... Que políticas de formação existem e qual será o seu impacto na aprendizagem efectiva de línguas estrangeiras?... Continua, na minha opinião, a ser uma lacuna que terá que ser discutida em profundidade e que pede respostas e medidas urgentes, eficientes e eficazes.

Aprender? Sempre!



«A expressão aprendizagem "ao longo da vida" (lifelong) coloca a tónica no tempo: aprender durante uma vida, contínua ou periodicamente. A recém-cunhada expressão "aprendizagem em todos os domínios da vida" (lifewide) vem enriquecer a questão, chamando a atenção para a disseminação da aprendizagem, que pode decorrer em todas as dimensões das nossas vidas em qualquer fase das mesmas.

A dimensão "em todos os domínios da vida" coloca uma tónica mais acentuada na complementaridade das aprendizagens formal, não-formal e informal, lembrando que uma aquisição de conhecimentos útil e agradável pode decorrer, e decorre de facto, no seio da família, durante o tempo de lazer, na convivência comunitária e na vida profissional quotidiana. A aprendizagem em todos os domínios da vida faz-nos também perceber que ensinar e aprender são papéis e actividades que podem ser alterados e trocados em diferentes momentos e espaços.»

In Memorando sobre Aprendizagem ao Longo da Vida, Bruxelas, 2000.

23.9.09

Porque...


...todos os sítios são bons para ler!


Novas Oportunidades a Ler+ é um projecto recentemente criado, com o objectivo de apoiar o desenvolvimento do gosto pela leitura junto do público adulto dos Centros Novas Oportunidades.
Porque ler é uma das coisas que mais gosto de fazer e porque este é um projecto que penso ter potencial e interesse, dedicarei alguns posts a este tema nos próximos tempos.

9.9.09

Refletir a prática

"(...) Na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto que quase se confunda com a prática. O seu «distanciamento» epistemológico da prática enquanto objeto de sua análise, deve dela «aproximá-lo» ao máximo."


Paulo Freire, in "Pedagogia da Autonomia"

8.9.09

Identificação

Certa manhã, meu pai ordenou-me inesperadamente:
-Diz à tua mãe que te vista o fato novo para ires tirar o retrato:
Admirei-me:
-Mas hoje não é o dia dos meus anos...
-Pois não. Mas lá em Beja precisam de dois retratos. É para te identificarem.
-Identificarem?
-Sim. Para saberem que és tu e não outro.
-Não percebo - recomecei, desconfiado. - Como podem eles supor que vai outro em meu lugar?
Daqui por diante, a conversa complicou-se de tal modo que meu pai perdeu a serenidade; gritou-me:
-Faz o que te digo, rapaz!
Fiz. Nada mais havia a replicar quando meu pai me chamava rapaz. Era uma regra que, à custa de alguns sopapos, eu acabara por introduzir nas nossas relações. Respeitando a regra, foi, pois, a minha mãe que me vestiu de ponto em branco.
Daí a pouco, com grande escândalo dos meus amigos, passei pelo largo, a caminho da casa do senhor Rodrigo. E eu, tido e respeitado como um rapaz às direitas, lá ia de enorme colarinho de goma, ao lado do meu pai.
Nem olhava para ninguém.
E, ainda hoje, após tantos anos, sinto vergonha. Não já pela gola, mas pelo rosto de estarrecido espanto com que fiquei no retrato.


Manuel da Fonseca, in "O Fogo e as Cinzas"

Dia Mundial da Alfabetização


"A alfabetização é um direito humano, um instrumento de realização pessoal e uma ferramenta essencial para o desenvolvimento social e humano. As oportunidades educativas dependem da alfabetização. A alfabetização é a base da educação para todos, e essencial para exterminar a pobreza, reduzir a mortalidade infantil, restringir o crescimento demográfico, permitir a igualdade de género e assegurar o desenvolvimento sustentável, a paz e a democracia."


(Fonte: UNESCO)

5.9.09

Agarrar as oportunidades

Uma dedicatória especial a todos os que decidem mudar a sua vida e investir na sua formação/qualificação. Não é fácil tomar a decisão e enveredar por um processo que muitas vezes é longo, cansativo, exigente e diferente do que conhecemos. Mas é importante agarrar as oportunidades, porque a qualquer momento nos podem fazer falta. É difícil, mas a mudança está dentro de cada um de nós...

4.9.09

Regresso

TUDO É FOI

Fecho os olhos por instantes.
Abro os olhos novamente.
Neste abrir e fechar de olhos
já todo o mundo é diferente.

Já outro ar me rodeia;
outros lábios o respiram;
outros aléns se tingiram
de outro Sol que os incendeia.

Outras árvores se floriram;
outro vento as despenteia;
outras ondas invadiram
outros recantos de areia.

Momento, tempo esgotado,
fluidez sem transparência.
Presença, espectro da ausência,
cadáver desenterrado.

Combustão perene e fria.
Corpo que a arder arrefece.
Incandescência sombria.
Tudo é foi. Nada acontece.


António Gedeão, in "Poemas Escolhidos"

19.7.09

Mudança


Numa fase de mudança da minha vida, este espaço será temporariamente encerrado até decidir ou não a sua continuidade.
Agradeço a todos a presença e o carinho com que sempre me acompanharam e espero voltar em breve, com ideias e projectos renovados.

10.7.09

E-Portfolios

Cada vez mais avançamos para o recurso a e-portfolios, como forma de organizar, reflectir e partilhar as aprendizagens e as competências adquiridas ao longo da vida, nos mais variados contextos. Aqui fica uma explicação simples e clara do que é e das suas vantagens e potencialidades.

3.7.09

Dar valor

Um dos princípios básicos para trabalhar na educação de adultos, na minha opinião, é acreditar no potencial das pessoas, nas suas competências, nos seus saberes e na capacidade que têm de aprender e evoluir sempre mais. Por isso, é com tristeza que ouço alguns colegas falarem dos adultos que acompanham de uma forma tão distante e tão desfasada da realidade. "Não sabem escrever, nem reflectir, nem mexer num computador, nem falar uma língua estrangeira, nem têm cultura, nem, nem...". E do que os adultos sabem fazer? Raramente ouço alguém falar, infelizmente. Quantas vezes nos preocupamos em nos sentarmos e conversarmos com a pessoa que temos à nossa frente, com tempo e vontade para entender as suas reais competências? São os adultos que acompanhamos que têm construído o nosso país. É certo que em alguns campos podemos estar muito abaixo das médias europeias, mas noutros estamos muito acima, e é graças a essas pessoas, que todos os dias, ao longo da sua vida, têm aprendido a lutar e a superar as adversidades. Pessoas que sabem mais do que eu ou do que muitos dos técnicos que as acompanham, nas mais diversas áreas, quer a nível profissional, quer pessoal, quer social.
Muitas das pessoas que mais marcaram a minha vida são analfabetas ou têm baixas habilitações, não sabem escrever ou fazem-no com dificuldade, não mexem num computador e apenas ouvem falar em "internet", sem no entanto conseguirem compreender o que é ou como funciona, mas isso não faz delas pessoas menores, pelo contrário. Muitas vezes são estas pessoas que nos dão verdadeiras lições de cidadania, de educação, de partilha, de respeito pelos outros. E para isso não há UFCD, ou Cursos EFA, ou sequer Licenciaturas ou Mestrados que valham. Isso só se aprende na e com a vida. Por isso, tenho sempre muito respeito e admiração pelos adultos que acompanho. E é uma pena ouvir técnicos e supostos profissionais desta área falar assim. Porque enquanto não acreditarmos nas pessoas e na sua capacidade e vontade de empreender e aprender, ficaremos sempre aquém daquilo que se espera com estes processos, que dependem, em larga medida, do nosso empenho, comprometimento e atitude, enquanto profissionais.

11.6.09

Caminhar

Há já algum tempo que não escrevo neste espaço. Todos nós passamos por fases de algum desânimo ou frustração a nível profissional. As razões são imensas, porque temos que lidar com conflitos no dia-a-dia, porque gostaríamos de estar a fazer uma coisa diferente, porque nos sentimos pouco recompensados ou reconhecidos, porque o ambiente de trabalho pode não ser o melhor, porque ambicionamos mais, ou, simplesmente, porque não conseguimos encontrar no nosso dia aquela luz, aquele instante mágico que faz a diferença e que nos faz agradecer pelo que temos e pelo que fazemos. Enfim, mais uma vez, as razões são imensas, quase infinitas, tendo em conta o percurso de vida de cada um de nós.
Sempre defendi que devemos fazer o que gostamos, o que nos realiza, o que nos faz feliz. Não nego que estou numa fase em que tenho vontade de mudar, é verdade que gostaria de estar a fazer algo diferente, que me realizasse plenamente. Mas hoje, ao rever uma apresentação que fiz há quase um ano, sobre o "Baú das Recordações", que costumo usar nas minhas sessões de grupo, redescobri a essência daquilo em que acredito e do que me fez já passar momentos muito felizes e de grande realização profissional e pessoal ao longo do tempo em que tenho trabalhado como Profissional RVC. As pessoas. Sim, as pessoas, cada pessoa que passa pela minha vida e que deixa uma marca única, que tantas vezes já contribuiu para que eu mudasse, para que eu própria me transformasse ao testemunhar a transformação dos outros. A importância das histórias de vida, que me levaram a (re)pensar a minha própria, ao descobrir nos outros a força de vencer as adversidades e os obstáculos, mesmo aqueles que parecem intransponíveis. A certeza de que é possível mudar, ser melhor, fazer melhor, todos os dias. É isso que me faz voltar a ver o que faço com outros olhos, com o olhar que andou embaciado durante um tempo, mas que hoje voltou a brilhar. E, apesar de todos os constrangimentos, de tudo o que tenta ofuscar a verdadeira essência do reconhecimento e validação de adquiridos, eu acredito no que faço, acima de tudo porque acredito nas pessoas, em mim e na nossa capacidade de mudança.

10.6.09

Agora sei...

...obrigada a quem me ensinou!...

Quem somos, donde vimos, para onde vamos?
Há muito já que moro no porquê.
Nada sabemos senão que passamos.
E há sempre um homem que já foi
E há sempre um homem que ainda não é.
É esse que me dói.

Agora sei que nada é fixo: há sempre um por fazer
Há sempre outro partir depois de cada chegar

Agora sei que para saber
É preciso rasgar as mãos... e procurar.


Manuel Alegre

16.5.09

Histórias de vida

Hoje comemora-se o Dia Internacional de Histórias de Vida. Um dia com um significado especial para quem trabalha diariamente com a valorização da vida das pessoas comuns, anónimas, mas que constituem a identidade do nosso país e que constroem, com o seu esforço, a sua História. E devo dizer que uma das coisas mais valiosas que me fica desta experiência profissional é, precisamente, ter aprendido a valorizar cada pessoa, cada história de vida, como se fosse a mais importante do mundo. Porque o é, de facto. Para a pessoa e para as que a rodeiam, é a história e a vida mais importante. E recordo-me daquelas que já li, que já me contaram, das pessoas que amo e me rodeiam, penso na minha própria história de vida. É, sem dúvida, fundamental que se respeitem e se dignifiquem as histórias de vida, como está a ser feito hoje com esta série de iniciativas.
Um dia e uma memória a repetir todos os dias da nossa história de vida!

26.4.09

Sentidos

E não me deixará perder o sentido da minha vida - concluiu com as suas próprias palavras.

Certa tarde, voltou para casa mais cedo do que os costume, e encontrou a viúva sentada na soleira da porta.
- O que está a fazer?
- Nada tenho que fazer - respondeu ela.
- Então aprenda algo. Neste momento, muitas pessoas já desistiram de viver. Não se aborrecem, não choram, esperam apenas que o tempo passe. Não aceitaram os desafios da vida, e a vida já não as desafia mais. A senhora também corre esse perigo; reaja, enfrenta a vida, mas não desista.
- A minha vida voltou a ter um sentido - disse ela, olhando para baixo - desde que o senhor chegou.
Elias resolveu interromper imediatamente a conversa, porque não sabia como continuá-la.
- Comece a fazer alguma coisa - disse, mudando de assunto. - Assim o tempo será um aliado, e não um inimigo.
- O que posso aprender?
Elias pensou um pouco.
- A escrita de Biblos. Será útil, se tiver que viajar um dia.
A mulher resolveu dedicar-se àquele estudo de corpo e alma. Jamais pensara em sair de Akbar mas - pelo modo como ele falara - talvez estivesse a pensar lavá-la com ele.
Sentiu-se livre novamente. Novamente, acordou de madrugada, e caminhou sorrindo pelas ruas da cidade.


Paulo Coelho, in O Monte Cinco

Este pequeno texto faz-me sempre recordar as diferentes motivações que tem quem decide fazer um processo de reconhecimento de competências. E lembro-me, sobretudo, de um senhor que acompanho, que é, simplesmente, excepcional. Durante algum tempo, como Profissional, tive receio que o processo não estivesse a ser minimamente interessante para este senhor. Para além de centenas de horas de formação em que foi investindo ao longo da sua vida, é um autodidacta, que se interessa por diversas áreas, como astronomia, física, literatura, história, arte, entre muitas outras. Conta-me imensas histórias, ensina-me, sinto-o e trato-o quase como um professor, um mestre, daqueles que às vezes pensamos que já não existem. E, por tudo isto, tinha medo que o processo estivesse a ser monótono, desinteressante, sem nada de aliciante. Mas qual não foi o meu espanto quando, um dia, este senhor me diz: "vir fazer o RVCC foi a melhor coisa que me podia ter acontecido!". A minha surpresa e curiosidade foram grandes, e procurei saber porquê. "Porque eu sempre estudei e pesquisei muito, mas agora tudo o que procuro saber e recordar tem um objectivo". Fiquei a reflectir e a pensar que, de facto, há diferentes motivações para realizar este processo, e ter um objectivo, encontrar um sentido para a sua vida pode ser uma delas. Algo que parece tão simples, mas que é de facto tão importante e que pode fazer tanta diferença no dia-a-dia!

17.4.09

Mapa Mental

"Um Mapa Mental é uma técnica gráfica poderosa que fornece uma chave universal para desbloquear o potencial do cérebro. Compreende a série completa de competências corticais - palavra, imagem, número, lógica, ritmo, cor e consciência espacial - num único modo poderoso. Ao fazê-lo, dá-lhe a liberdade de se movimentar através das infinitas expansões do seu cérebro. O Mapa Mental pode ser aplicado a todos os aspectos da vida em que o desenvolvimento da aprendizagem e as ideias claras melhoram o desempenho humano."

Vantagens da utilização de um Mapa Mental:
  • Fornece uma visão de conjunto sobre um vasto assunto;
  • Recolhe vastas quantidades de dados;
  • Encoraja a resolução de problemas, mostrando caminhos novos e criativos;
  • É agradável ao olhar, o que facilita a memorização;
  • Atrai e prende a atenção do cérebro;
  • Permite ver o todo e os pormenores ao mesmo tempo;
  • Facilita a aplicação do conhecimento, por ser uma representação mais próxima da que é utilizada mentalmente;
  • Estimula a liberdade de pensamento e consequentemente a criatividade, porque o brainstorming é parte da cultura dos mapas mentais;
  • entre muitas outras.

Os Mapas Mentais são um excelente recurso porque tornam a aprendizagem, o trabalho e o conhecimento mais agradáveis e estimulantes.

Bibliografia: Hare, K. e Reynolds, L. (2003). 51 Instrumentos para Transformar a Formação. Lisboa: Monitor.

Actualmente, há software específico e muito fácil de utilizar para a realização de Mapas Mentais, fica apenas uma sugestão.

9.4.09

Desejo a todos uma...

Encontro "Mudança Positiva"

A Rede Social de Coimbra e a Associação Portuguesa de Estudos e Intervenção em Psicologia Positiva vão organizar no próximo dia 27 de Maio um Seminário com o tema "Mudança Positiva: Comunidade(s) a Construir Felicidade(s)". Fica o programa e a certeza de que será um dia bastante diferente do convencional e com reflexos na nossa vida, não só profissional, mas também pessoal. Um evento a não perder!

EncontroPsicologiaPositiva EncontroPsicologiaPositiva Mafalda Branco

29.3.09

Optimismo na Educação

Reli e gostei bastante do conceito. Penso que precisamos de mais optimismo na educação. É difícil, mas é possível termos um espírito mais positivo, que certamente influenciará não só as nossas práticas, mas também o contacto com colegas e educandos. As palavras-chave (e muito positivas) ficam destacadas.

O Educador Optimista é aquele que:

- por melhor que seja pode sempre melhorar;
- acredita que a mudança é possível em qualquer momento da carreira profissional e da vida;
- sabe que a forma como olha, interpreta e sente a realidade determina em muito essa mesma realidade;
- em Portugal vai contra a cultura do desânimo e da crítica;
- olha para o futuro, mais do que para o passado;
- acredita que "o destino não está marcado";
- acredita que pode - e deve - transformar sonhos em realidades;
- se conhece bem e que sabe o que faz e porque o faz; é por isso que transforma cada acto educativo numa tomada de decisão bem aliçercada;
- "pensa positivo", vendo o melhor e esperando o melhor;
- sabe que os insucessos podem ser experiências de aprendizagem óptimas;
- gosta de si, se aprecia e se auto-elogia;
- atenta na construção da imagem positiva dos seus educandos e se assegura que eles acreditam nas suas potencialidades, valorizando-os permanentemente, aceitando-os nas suas insuficiências e perdoando-os nas suas imperfeições;
- sabe que os outros têm sempre boas razões para se comportarem como se comportam, e que mesmo nas pessoas ou situações mais difíceis é possível ver talentos e excelências;
- sabe que as melhorias têm que começar por si próprio;
- sabe comunicar com eficácia, ouvindo-se interiormente e ouvindo mais do que falando, respeitando mais do que impondo;
- sabe transformar problemas em desafios e limitações em energia geradora de soluções;
- transmite e vivencia, com o corpo e as palavras, alegria, felicidade e entusiasmo.

Adaptado de Marujo, H., Neto, L. & Perloiro, M. (2004). Educar para o Optimismo. Lisboa: Editorial Presença.

23.3.09

2000 visitas

Em apenas dois meses, este simples espaço recebeu 2000 visitas. Sei que muitas representam pessoas, colegas, amigos que me visitam diariamente. Criei este blog com o objectivo despretencioso de partilhar algumas experiências como Profissional de RVC. Nem sempre as publico, mas o que é certo é que cada dia é marcado pelos adultos que acompanho de uma forma muito especial. Há dias difíceis, sem dúvida, em que a esperança parece falhar, em que acreditar é um esforço, quando devia ser algo natural, mas há que encontrar o momento mágico que todos os dias têm. Essa magia vem sempre das pessoas com quem me tenho cruzado nestes percursos da vida.
Obrigada pela luz que têm trazido aos meus caminhos!

22.3.09

Como respondemos à adversidade?...



A Cenoura, o Ovo e o Café

Uma filha queixou-se ao pai sobre a sua vida e de como as coisas estavam difíceis. Já não sabia mais o que fazer e queria desistir. Estava cansada de lutar e combater. Parecia que assim que um problema estava resolvido, um outro surgia. O seu pai, um "chef", levou-a até à cozinha.
Encheu três panelas com água e colocou cada uma delas em fogo alto. Logo as panelas começaram a ferver. Numa colocou cenouras, noutra ovos e, na última, pó de café. Deixou que tudo fervesse, sem dizer uma palavra.
A filha deu um suspiro e esperou impacientemente, imaginando o que estaria ele fazendo.
Cerca de vinte minutos depois, ele apagou as bocas de gás. Pescou as cenouras e colocou-as numa tigela. Retirou os ovos e colocou-os noutra tigela. Então, pegou o café com uma concha e colocou-o numa chícara. Virando-se para ela, perguntou:
- Querida, o que estás a ver?
- Cenouras, ovos e café - respondeu a filha.
Ele trouxe-a para mais perto e pediu-lhe para experimentar as cenouras. Ela obedeceu e notou que as cenouras estavam macias.
Então, pediu-lhe que pegasse num ovo e o partisse. Ela obedeceu e, depois de retirar a casca, verificou que o ovo endurecera com a fervura.
Finalmente, ele pediu-lhe que tomasse um gole do café. Ela sorriu ao provar o seu aroma delicioso.
Ela perguntou humildemente: "O que significa isto, pai?"
Ele explicou que cada um deles havia enfrentado a mesma adversidade, água a ferver, mas que cada um reagira de maneira diferente. A cenoura entrara forte, firme e inflexível. Mas depois de ter sido submetida à agua a ferver. ela amolecera e tornara-se frágil. Os ovos eram frágeis. A sua casca fina havia protegido o líquido interior. Mas depois de terem sido colocados na água a ferver, o seu interior tornou-se mais rijo. O pó de café, contudo, era incomparável. Depois de ter sido colocado na água a ferver, havia mudado a própria água.
- Qual deles és tu? - perguntou o pai.
- Quando a adversidade bate à tua porta, como respondes? - continuou.

Você é uma cenoura, um ovo ou um pó de café?


Adaptado de Ângela Escada, Auto-Estima do Formador

Mudança

Esta música faz-me lembrar o processo de (auto)transformação por que passa quem tem a coragem de realizar um balanço de competências... Um processo que começa, obrigatoriamente, dentro de si próprio e que conduz ao autoconhecimento. Porque conhecermo-nos é, de facto, a mais difícil, mas também a maior conquista que podemos fazer!

21.3.09

Dia Mundial da Poesia

Louvor do Aprender

Aprende o mais simples! Pra aqueles
Cujo tempo chegou
Nunca é tarde de mais!
Aprende o abc, não chega, mas
Aprende-o! E não te enfades!
Começa! Tens de saber tudo!
Tens de tomar a chefia!

Aprende, homem do asilo!
Aprende, homem na prisão!
Aprende, mulher na cozinha!
Aprende, sexagenária!
Tens de tomar a chefia!

Frequenta a escola, homem sem casa!
Arranja saber, homem com frio!
Faminto, pega no livro: é uma arma.
Tens de tomar a chefia.

Não te acanhes de perguntar, companheiro!
Não deixes que te metam patranhas na cabeça:
Vê c'os teus próprios olhos!
O que tu mesmo não sabes
Não o sabes.
Verifica a conta:
És tu que a pagas.
Põe o dedo em cada parcela,
Pergunta: Como aparece isto aqui?
Tens de tomar a chefia.


Bertold Brecht
Tradução de Paulo Quintela

19.3.09

Não vou por aí...

Cântico Negro

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui"!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha Mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que me repetis: "vem por aqui"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis machados, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe.
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
- Sei que não vou por aí!


José Régio

18.3.09

Quem são os analfabetos afinal?...

Hoje tive uma experiência marcante, para juntar a tantas outras que vou vivendo nos percursos da vida. Hoje bateu-me à porta um senhor. Estava muito sujo, de barba por fazer, primeiro pensei (no pensamento estúpido que vamos formando na rotina dos dias...) que se tivesse enganado. Mas não, era mesmo para o Centro, percebi-o assim que se sentou e me disse, com um olhar vivo e brilhante, que há muito tempo que ouvia um anúncio na rádio por "causa de se voltar à escola". O mesmo olhar que reconheço sempre em quem tem curiosidade, em quem quer aprender, sempre mais e mais, contra o fatalismo da idade ou das convenções sociais. O senhor não tem quaisquer habilitações, não sabe ler nem escrever, apenas assinar o nome numa escrita rudimentar, que fez questão de me mostrar no novíssimo Cartão do Cidadão. Pegámos nesse mesmo cartão para tentar ver o que sabia o senhor afinal. Soletrou com orgulho: P-O-R-T-U-G-A-L. Não sabe juntar as letras, por isso, apesar de as soletrar, não sabia que ali estava escrito o nome do seu país. Fiquei esmagada. Não por ser a primeira vez que contactava com uma pessoa analfabeta ou por achar que não existem (há quem diga por aí que o analfabetismo em portugal é "residual..."). Felizmente vivo no mundo real, real demais. No mundo em que há um senhor de 68 anos que me diz: "tem-me feito mais falta ler e escrever do que o pão". No mundo em que no ano passado, recentemente, não foi autorizado um curso de alfabetização para 9 (N-O-V-E) pessoas. Porque eram só N-O-V-E. Não hei-de descansar enquanto essas nove pessoas, mais o senhor Artur, mais outras que estejam "perdidas" noutras instituições tenham a OPORTUNIDADE de ter o direito fundamental de aprender a ler e a escrever. Quando lhe disse que, neste momento, não tinha resposta para lhe dar, o senhor chorou e disse "nós é que precisávamos! tem-me feito tanta falta! eu não pude mesmo estudar, com 4 anos já andava a criar cabras". Este é o Portugal real, fora dos gabinetes onde se decide a certificação e/ou a qualificação. Deixei-me estar com o senhor Artur, sem olhar para o relógio, sem pensar em sistemas informáticos que tentam controlar o nosso tempo. E naquele momento ouvi aventuras vividas em França, em Espanha, e a dureza da vida que o afastou da escola, que agora procura, com 68 anos, disposto a ir "para onde for" para aprender a ler e a escrever. "Vai aprender", respondi-lhe.

16.3.09

Riscos...

De vez em quando, gosto de voltar a reler a bibliografia obrigatória sobre a metodologia de Balanço de Competências. De cada vez que o faço, dou importância a diferentes aspectos que me fazem reflectir novamente, provavelmente sugestionada pela experiência e pelo que de novo vai surgindo no contexto da educação de adultos. Hoje detive-me neste excerto, alertando para alguns dos riscos inerentes à utilização desta metodologia:

«Em segundo lugar, "um balanço de competências não é um conjunto de juízos sobre o nível escolar de um sujeito ou sobre as suas hipóteses de êxito na concretização de um projecto profissional, uma selecção ou uma simples inventariação de saberes e saberes-fazer".
Um dos riscos que aqui se perfila consiste em fazer do balanço de competências um balanço cognitivo ou escolar - assimilando a competência quer às capacidades cognitivas dos sujeitos quer aos seus conhecimentos e diplomas - daí decorrendo um reducionismo cognitivista ou culto dos diplomas.
Um risco complementar do anterior consiste em circunscrever o balanço de competências a um balanço técnico- limitando a competência a um saber-fazer "puramente" técnico, que não toma em consideração o que funda a competência, nomeadamente as capacidades genéricas ou transversais e as motivações - daí resultando um reducionismo tecnicista»

Imaginário, Luís. (1997). Balanço de Competências.

Às vezes dá-me vontade de perguntar onde fica o Balanço de Competências, como metodologia de base, nos processos de reconhecimento de competências, tendo em conta todas as alterações a que temos assistido recentemente. Doze anos depois, este artigo continua a alertar-nos para situações reais, que vivemos actualmente, e que continuam a representar riscos na implementação do BC. Aliás, actualmente, serão tão-somente riscos?...

13.3.09

O tempo na educação de adultos

Há uma ideia que cada vez mais me acompanha. Trabalhar em educação de adultos, aliás, na educação em geral, exige tempo. Um tempo que não é controlado por um relógio, mas pela nossa disponibilidade para estar com o outro. E essa disponibilidade implica uma entrega, uma paixão pelo que se faz. Trabalhar com pessoas é algo muito complexo, mas especial, é um desafio constante, uma aventura sem fim. Não há rotinas nem monotonias, cada dia é diferente. Acima de tudo, o trabalho com adultos exige algo fundamental: o respeito. Respeito pela individualidade, pela experiência de vida, pelo ritmo, pelo tempo que a pessoa necessita. Cada um de nós, profissional, tem na sua mão o poder do que quer fazer com o tempo...

6.3.09

Voar


- Vais voar, Ditosa. Respira. Sente a chuva. É água. Na tua vida terás muitos motivos para ser feliz, um deles chama-se água, outro chama-se vento, outro chama-se sol e chega sempre como recompensa depois da chuva. Sente a chuva. Abre as asas - miou Zorbas.
A gaivota estendeu as asas. Os projectores banhavam-na de luz e a chuva salpicava-lhe as penas de pérolas. O humano e o gato viram-na erguer a cabeça de olhos fechados.
- A chuva, a água. Gosto! - grasnou.
- Vais voar - miou Zorbas.
- Gosto de ti. És um gato muito bom - grasnou ela aproximando-se da beira do varandim.
- Vais voar. Todo o céu será teu - miou Zorbas.
- Nunca te esquecerei. Nem aos outros gatos - grasnou já com metade das patas de fora do varandim, porque, como diziam os versos de Atxaga, o seu pequeno coração era o dos equilibristas.
- Voa! - miou Zorbas estendendo uma pata e tocando-lhe ao de leve.
Ditosa desparaceu da sua vista, e o humano e o gato temeram o pior. Caíra como uma pedra. Com a respiração em suspenso assomaram as cabeças por cima do varandim, e viram-na então, batendo as asas, sobrevoando o parque de estacionamento, e depois seguiram-lhe o voo até às alturas, até mais para além do cata-vento de ouro que coroava a singular beleza de São Miguel.
Ditosa voava solitária na noite de Hamburgo. Afastava-se batendo as asas energicamente até se elevar sobre as gruas do porto, sobre os mastros dos barcos, e depois regressava planando, rodando uma e outra vez em torno do campanário da igreja.
- Estou a voar, Zorbas! Sei voar! - grasnava ela, eufórica, lá da vastidão do céu cinzento.
O humano acariciou o lombo do gato.
- Bem, gato, conseguimos - disse ele suspirando.
- Sim, à beira do vazio compreendeu o mais importante - miou Zorbas.
- Ah sim? E o que é que ela compreendeu? - perguntou o humano.
- Que só voa quem se atreve a fazê-lo - miou Zorbas.
- Suponho que agora te estorva a minha companhia. Espero-te lá em baixo - despediu-se o humano.
Zorbas permaneceu ali a contemplá-la, até que não soube se foram as gotas de chuva ou as lágrimas que lhe embaciaram os olhos amarelos de gato grande, preto e gordo, de gato bom, de gato nobre, de gato de porto.


Luís Sepúlveda, "História de uma Gaivota e do Gato que a ensinou a voar"

Dedico o final desta "história", que fascina e marca todos os que a lêem, à Angelina, à Fátima e à Paula, bem como a todos os adultos que já acompanhei neste processo. É muito gratificante ficar a ver-vos voar, muito emocionada, mas igualmente feliz, como o gato Zorbas. Depois de um percurso feito de lutas e de conquistas, de crescimento e de evolução, de renascimento e de reconstrução, vocês são a prova de que quando as pessoas se atrevem a voar, o conseguem mesmo fazer. Parabéns e obrigada por me deixarem acompanhar o vosso voo!

4.3.09

Encontro na Gafanha da Nazaré

Hoje estive presente num encontro entre Centros Novas Oportunidades e equipas EFA, organizado pelo CNO da Gafanha da Nazaré. Foi, mais uma vez, um encontro com alguns amigos de outros Centros, que vamos encontrando nestes percursos da nossa vida. Um deles foi o Dr. Paulo Antunes, Director do Centro Novas Oportunidades da Escola Secundária de Maximinos, em Braga. É sempre inspirador ouvir o Paulo, pela sua dinâmica, inovação e capacidade de organização do trabalho. E fiquei, uma vez mais, com a ideia que o trabalho que esta escola tem desenvolvido com os Cursos EFA é um modelo com o qual temos muito a aprender. Hoje aprendi imenso. E recordei que é fundamental e necessário ACREDITAR no que fazemos e no que podemos vir a atingir com o que fazemos. É certo que muitas vezes desanimamos, discordamos de algumas orientações, encontramos algumas "pedras no caminho" que quase nos fazem cair, mas se nunca deixarmos de acreditar no que estamos a fazer, tenho a certeza que o faremos o melhor que podemos e sabemos, porque nos entregamos, porque damos o melhor de nós, às vezes (tantas) até mais do que podemos!
Foi esta a mensagem que trouxe deste Encontro: acreditar, porque é possível, porque é já uma realidade e não apenas uma utopia, como tantos continuam a afirmar. E se for uma utopia, que seja, porque acredito que é através do sonhos que podemos ir mais longe.
Os meus sinceros parabéns à equipa da Gafanha da Nazaré pelo encontro intimista que organizou, o que permitiu uma maior partilha de experiências, dúvidas e ideias entre todos os colegas presentes.

27.2.09

Histórias de vida

"Histórias. Toda a nossa vida gira à volta das histórias que ouvimos, lemos, vemos e sonhamos. Somos movidos pelas histórias que nos inspiram, emocionam, impressionam - e dão o sentido e os sentidos que, acreditamos, a vida tenha.
As histórias são, na sua imaterialidade, a forma concreta de percebermos e sentirmos a matéria de que são feitos os sonhos e de que é feito esse sonho principal que é a nossa vida, a nossa existência - o nosso corpo e o nosso tempo.
O tempo - o que é o tempo, a duração, é um mistério. E do tempo e do seu mistério temos um sinal: a memória, que organizamos como uma história, com princípio, meio e fim, por vezes, é claro, não por esta ordem.
As histórias da nossa memória são histórias onde nós somos personagens. Nós ou, mais exactamente, o que nós fomos. Mas é nessas personagens dessas histórias de amor, amizade, coragem, cobardia, maluquice, banalidades, fugas, fulgurações, etc, etc, etc, nessas histórias sempre meio inventadas que encontramos sempre a meia verdade do que somos hoje.
Foi o Paul Auster que disse que «a memória é o sítio onde as coisas acontecem pela segunda vez». Uma história de vida, contada a partir da memória do que se viveu, é uma história que acontece pela segunda vez para quem a conta. Mas, se é uma história que deve ser contada, ela é a história devida por cada um ao grande mapa das histórias do mundo e a todos os que a querem ler ou ouvir pela primeira vez."

Nuno Artur Silva, in "Histórias Devidas"

Fica apenas uma pequena amostra do que acontece todos os Domingos, às 13h, na Antena 1, com Inês Fonseca Santos e Miguel Guilherme.

23.2.09

Ver novos mundos...

Balanço de Competências

Na sequência do post anterior, deixo uma publicação, da autoria da Dr.ª Madalena Estêvão, que considero extremamente clara no que diz respeito àquilo que é o Balanço de Competências (na perspectiva mais lata, que não apenas a do processo RVCC). E aconselho vivamente uma visita ao site da Iniciativa Equal. Boas leituras!

BC_Equal

Motivação

Como profissional RVC cada vez tenho mais noção da responsabilidade das funções que desempenho. E essas funções extravazam em muito aquilo que está definido formalmente. Uma das funções mais importantes, para mim, é a motivação dos adultos que acompanho. Motivar não é tão difícil como pode parecer. Primeiro há que conquistar a pessoa. Para isso, é necessário conhecê-la, dar espaço para que ela se mostre e até se descubra melhor a si própria. Durante essa fase temos que estar muito atentos, para começarmos a perceber as potencialidades daquela pessoa que temos à nossa frente. Quando isso acontecer, temos que nos tornar um espelho, ou seja, devolver-lhe o que de mais positivo ela nos mostra. Se pensarmos em nós próprios, quantas vezes achamos que não valemos nada, que o que dizemos não é importante, que o que fazemos não tem utilidade?... Acontece-nos a todos, em tantos momentos da nossa vida! No entanto, quando temos alguém que nos diz o contrário, paramos e pensamos: "secalhar até é verdade...". E se continuarmos a ouvir o mesmo, várias vezes, em diversos momentos, começamos a acreditar que realmente talvez seja mesmo verdade! E parece que nos sentimos mais fortes, mais capazes, parece até que conseguimos fazer coisas que nunca pensámos vir a fazer!... É isso que penso que devemos fazer com os adultos que acompanhamos: estar atentos, reforçar positivamente, incentivar, ser constantes, perseverantes. Temos que ajudar a pessoa a reconstruir a sua imagem, aquela imagem que tem de si própria quando se vê ao espelho e que, regra geral, não é muito positiva. Para isso é preciso tempo, dirão alguns. Eu penso que o tempo pode ser o que fazemos com ele. Numa hora com um adulto podemos fazer tanto! Basta estar disponível e mostrar-lhe o que o espelho mostra de melhor... Outros dirão certamente que isto não é um processo terapêutico. É verdade, não é. Mas de que parte o Balanço de Competências, a metodologia de base dos processos de reconhecimento e validação de competências? Precisamente da promoção do autoconhecimento e da autovalorização das pessoas. Porque quando se transformam estas duas variáveis, tudo o resto se começa também a transformar.

Devia-se falar mais na importância da motivação na educação de adultos. Devia-se falar mais em balanço de competências. Devia-se ter tempo, dar tempo. Pensa-se demasiado nos números, estão-se a esquecer as PESSOAS.

18.2.09

Uma escalada ao interior de si próprio

Há muito tempo que comparo o Balanço de Competências a uma escalada que fazemos ao interior de nós próprios. E digo "nós" porque a metodologia de Balanço de Competências pode ser aplicada em diversos contextos e a diferentes destinatários. Todos nós podemos (devemos?...) fazer um balanço das nossas competências. Ao fazê-lo, (re)descobrimos muitas vezes o quanto podemos ir mais longe e como podemos (re)construir o nosso projecto de vida.

13.2.09

Os portefólios podem dar asas!


Acompanho três adultas há mais de um ano, no processo RVCC de Nível Secundário. Hoje chegou o dia em que entregaram os seus portefólios reflexivos de aprendizagens para se apresentarem a Júri brevemente. São sempre dias de ansiedade, de pressão, de angústia para se conseguir ter tudo terminado a tempo e horas. Nestes dias, há uma pequena "revolução" no Centro. A agitação é muito grande, a emoção forte. Às vezes há lágrimas que caem sem pedir licença, outras vezes contêm-se, mas não se disfarçam, o brilho no olhar é forte demais. O orgulho é maior que todo o esforço e sacrifício que fizeram ao longo de cerca de 13 meses. Os portefólios são um espelho da vida que estas adultas tiveram, daquela com que sonham e se projectam no futuro.

Olho para os portefólios em cima da minha secretária e revejo neles cada uma delas. As imagens, as capas, as dedicatórias, as reflexões finais... Tudo é grande demais para caber nas palavras que queremos dizer umas às outras. Abraçamo-nos, choramos e rimos, cada uma à sua maneira. Quatro mulheres que não foram simplesmente orientadora ou candidatas, mas companheiras nesta caminhada tão frutífera. Ao fim do dia olho novamente para os portefólios em cima da mesa. Apetece-me guardá-los para sempre, ficar com um bocadinho delas também. Releio-os vezes sem conta, sobretudo as introduções e as conclusões. Penso para mim: "o que vos vai ficar no fim disto tudo? o que serão daqui a 10 anos? implementarão os vossos projectos, os vossos sonhos?...".

No final, apenas vos desejo uma coisa: sejam felizes, muito felizes, porque são mulheres inspiradoras e dignas de tudo o que têm à vossa espera! O mundo é uma incógnita, as oportunidades nem sempre são as mais favoráveis, mas vocês já provaram que são capazes de mudar o rumo de cada uma das vossas histórias! Acima de tudo, saiam do casulo onde estiveram tanto tempo, e voem, agora com umas asas novas, mais fortes, eu sinto!

Um beijo enorme a cada uma de vocês, por terem mostrado o que são, por terem aberto o vosso coração comigo. Vou ter saudades vossas, mas comigo ficará sempre tanto, tanto de vocês!...

9.2.09

Homenagem ao "meu herói"


Hoje perdi aquele a quem chamava o meu "herói" do processo RVCC. O Sr. Manuel e a esposa encontravam-se a realizar o seu processo de 9.º ano quando lhe foi diagnosticada a doença. Fui das primeiras a saber e a apoiar, como pude, sem saber muito bem o que fazer ou dizer. O meu primeiro pensamento foi "eles não podem desistir". Já sabia que essa ia ser a primeira decisão, mas não podia deixar que não cumprissem, ambos, um dos seus maiores sonhos: concluir a escolaridade que não conseguiram em tempos, por dificuldades enconómicas e sociais. Conversámos e combinámos que iam continuar à medida que conseguissem, pois nós dar-lhes-íamos todo o apoio. Assim foi, sessão a sessão, o Sr. Manuel foi fazendo o seu processo e ganhava uma nova vida nas sessões. Eu, os colegas de grupo, os formadores ajudámos a manter o espírito positivo, até que chegou o dia de Júri. Foi um dos dias mais marcantes da minha vida. No final todos choraram de tristeza, talvez até de pena, menos eu. Chorei por dentro, para que ele não me visse, mas de felicidade, pois sentia no seu olhar, nas suas palavras, na sua energia, que um sonho tinha acabado de ser concretizado. Ambos sabíamos que poderia ser o último.

Chegou o dia da entrega dos Diplomas, nova emoção. Quis tirar uma fotografia para recordação, eu tentei sorrir, o Sr. Manuel e a esposa tentaram evitar as lágrimas. Sabíamos que era a última fotografia que tirávamos juntos. Desde o processo que ficou uma amizade, uma união muito especial entre nós. A esposa continuou para o 12.º ano, ele vinha visitar-me várias vezes. Dizia-me "gosto muito de a vir visitar, o seu sorriso faz-me bem". No final abraçávamo-nos sem nada dizer. Nem "até breve", nem "adeus". Apenas um abraço, sincero, amigo. E no final, o olhar. Ambos disfarçávamos e dávamos o nosso melhor sorriso.

Não me esqueço de nenhum dos "meus" adultos, mas sem dúvida que o Sr. Manuel foi um dos que mais me marcou e será sempre o meu "herói", o maior lutador que conheci para levar o seu processo até ao fim e o que despertou o melhor de mim, não só enquanto profissional, mas sobretudo enquanto pessoa. Vou sentir falta da energia, da vontade de viver, dos abraços, mas mais do que tudo, dos sorrisos... Mas o Sr. Manuel ficará sempre nas minhas memórias mais doces!

6.2.09

Pérolas

Há pouco recebi esta apresentação de um adulto que acompanho. Fazia-se acompanhar de uma mensagem especial, que me fez ver que há mesmo "pérolas" no nosso dia-a-dia e que aquilo que tentamos fazer, às vezes com tanto sacrifício, dá sempre os seus frutos! Eu é que tenho tanto, mas tanto a agradecer por tudo quanto tenho aprendido com todos os adultos que tenho acompanhado nesta caminhada! Não haverá nunca palavras para reproduzir como a minha vida é mais rica por cada uma das pessoas que já passou por mim!
Bom fim-de-semana para todos os que me acompanham nestes "percursos da vida"!

4.2.09

A teoria humanista na Educação de Adultos

"A educação de adultos humanista procura «facilitar o processo de aprendizagem», por oposição ao ensino. Facilitar o processo de aprendizagem na educação de adultos é o equivalente a criar as condições óptimas para o desenvolvimento humano na psicologia humanista. A aprendizagem do adulto é, assim, equiparada ao crescimento pessoal e desenvolvimento do adulto, isto é, à auto-realização. O papel do formador de adultos centra-se, deste modo, principalmente no ambiente de aprendizagem, onde tem de criar as condições óptimas para o autodesenvolvimento. Tal como na psicologia humanista, a educação de adultos humanista acredita que a pessoa não cresce, isto é, não aprende, se a experiência de aprendizagem não for significativa."

Finger, M., Asún, J. (2003). A educação de adultos numa encruzilhada. Porto: Porto Editora.

31.1.09

Aprender, sempre!


"A sociedade da aprendizagem - que é aquela em que se vive - baseia-se, essencialmente, na aquisição, actualização e partilha de saberes e de experiências, sempre a partir da prática do diálogo e da tolerância.
Cada vez mais, no tempo que corre, vive-se aprendendo e aprende-se vivendo.

Aprende-se com todas as pessoas:
com as família, com a vizinhança, com os amigos, com os colegas de trabalho...

Aprende-se em todos os lugares:
na rua, em casa, na escola, no trabalho, nos centros de cultura e de lazer...

Aprende-se em todas as idades:
na infância, na adolescência, na juventude, na idade adulta, na velhice...

Aprende-se de todas as maneiras:
sentindo, pensando, ouvindo, sofrendo, reflectindo, alegrando-se, escrevendo, lendo, perguntando, respondendo, conversando, concordando, discordando...

Enfim, em todas as circunstâncias, quando há vontade e prazer em aprender, aprende-se mesmo!"

Ferreira, P. (2007). Guia do Animador na Formação de Adultos. Lisboa: Editorial Presença.

Facilidades vs Adversidades

"Se eu tiro a luz a uma planta, ela juntará todas as suas forças para conseguir reencontrá-la, as células apicais estender-se-ão espasmodicamente para descobrirem um orifício e, uma vez atingida a meta, a planta estará mais forte porque deparou com uma adversidade e conseguiu superá-la."

Susanna Tamaro, Escuta a minha voz

Os adultos que acompanho "queixam-se" muitas vezes da dificuldade do processo RVCC: "vocês são muito exigentes! então mas nunca mais acabo? quando é que chega? ainda só tenho esses créditos?". Nem sempre é fácil explicar, fazer compreender que as dificuldades, as adversidades servem precisamente para ganharmos novos recursos, novas aprendizagens, para dar mais valor ao esforço que fazemos... Muitas vezes desanimamos porque achamos que a mensagem não passa, sentimo-nos quase como se estivéssemos a falar "para uma parede", esbarramos em resistências. No entanto, na preparação para o Júri de Validação sinto sempre que valeu a pena, que afinal a mensagem passou, não pelo que dissemos, mas pelo que o adulto passou para lá chegar. Tem que ser a pessoa a sentir a adversidade e a perceber a sua importância no seu desenvolvimento. Processos fáceis? Acredito que existam, mas que diferença farão?... Acredito que quem pode fazer a diferença no futuro é quem sente a adversidade e a consegue vencer, pois sentir-se-á com mais força para enfrentar outros obstáculos que a vida lhe traga.

28.1.09

Uma "aula" especial

Ser profissional de reconhecimento e validação de competências é, realmente um privilégio, já o disse várias vezes. Mas é, também, uma enorme responsabilidade. Hoje tive um atendimento individual com um adulto que me tem marcado de uma forma muito especial. É um autodidacta, um poeta, um sonhador. É um homem que não se resigna ao passar dos anos, que cada vez procura saber mais, de diferentes formas. Hoje dizia-me com o seu sorriso de criança: "Sabe, eu perco-me, começo a pesquisar sobre uma coisa, aparece outra que me desperta a curiosidade e lá vou eu, perco-me entre tantas coisas fascinantes que vou descobrindo". Neste atendimento, como nos outros todos, senti-me pequenina, muito. Percebi a humildade que precisamos de ter, a humildade de que fala o Dr. João Lima, na reflexão e no desafio que nos deixa. Aquele senhor falou sobre história, sobre linguística, sobre mecânica, electrónica, poesia, economia, falou sobre a vida, sobre a escola, sobre a aprendizagem. E eu apenas fui sua aluna, curiosa, atenta, com os olhos rasos de lágrimas por aquilo que estava a ouvir e a presenciar. É para pessoas como esta que o processo RVCC foi criado e faz sentido. É justo, é imperativo.

25.1.09

Dar o nosso melhor

Hoje deixo este poema para reflectir... Nem sempre podemos ser ou fazer aquilo que queremos, por diversos motivos, mas o importante é tentarmos dar o nosso melhor no que estivermos a fazer.

Uma inspiração para uma nova semana que agora começa.


Se não puderes ser um pinheiro, no topo de uma colina,
Sê um arbusto no vale mas sê
O melhor arbusto à margem do regato.
Sê um ramo, se não puderes ser uma árvore.
Se não puderes ser um ramo, sê um pouco de relva
E dá alegria a algum caminho.

Se não puderes ser uma estrada,
Sê apenas uma senda,
Se não puderes ser o Sol, sê uma estrela.
Não é pelo tamanho que terás êxito ou fracasso...
Mas sê o melhor no que quer que sejas.


Pablo Neruda

Sinergias em acção

Na sexta-feira passada tive o prazer de estar presente no I Encontro de Centros Novas Oportunidades do Oeste, organizado pelo CNO Inês de Castro, de Alcobaça, sob o tema "Sinergias no Nível Secundário". Foi um dia cheio, do qual guardo sobretudo a importância das sinergias, do trabalho em equipa, da aprendizagem cooperativa. Mas qual é a novidade ou inovação nisto? Estamos sempre a ouvir falar destes temas, é verdade. Mas o motivo pelo qual se continua a falar, a insistir, é porque ainda estamos muito longe de o fazer ou de o conseguir na prática. Todos os que trabalham nesta área sabem (e queixam-se) da falta de articulação e de trabalho em rede. E o que é que já fizeram para o conseguir?... Nada nasce apenas das palavras, dos desejos ou das intenções, é preciso acção, mudanças concretas, palpáveis. Uma das coisas que resulta deste Encontro é precisamente uma data agendada entre entidades locais, para definição de parcerias e estratégias comuns. Parece-me um passo em frente no que se tem feito ao nível destes eventos. É assim que se começa a delinear um novo futuro. Parabéns à equipa, na pessoa da sua coordenadora, a Dr.ª Anabela Luís, por o ter conseguido!

23.1.09

Todas as pessoas têm um sonho

Há coincidências engraçadas... Hoje tive a oportunidade e o privilégio de assistir a uma palestra do Prof. Mark Savickas, um mestre na área da psicologia de orientação e aconselhamento de carreira. Fiquei fascinada pela sua humildade, pela capacidade de se colocar lado a lado connosco e de nos levar por uma viagem pela importância do planeamento de carreira. Da sua cativante intervenção, saliento duas ideias, que vão ao encontro daquilo que tenho tentado transmitir aqui e noutros contextos. Todas as pessoas têm um sonho. Todas as pessoas têm sabedoria dentro delas, nós só temos que as ajudar a ouvirem-se a si mesmas. E não é isso que tentamos fazer no processo de reconhecimento de competências, como já aqui referi?...
Ficam dois recursos para nos ajudarem a reflectir, que poderão também servir como estratégias de motivação para os adultos (desde que devidamente explorados em conjunto com o profissional), sobretudo na construção do seu plano de desenvolvimento pessoal, em que devem assumir uma postura pró-activa.




21.1.09


"Entre a multidão há homens que não se destacam, mas são portadores de prodigiosas mensagens. Nem eles próprios o sabem."

Antoine de Saint-Exupéry


Trabalhar com adultos dá-nos a possibilidade de conhecer homens como os que fala Saint-Exupéry. Homens que andam toda uma vida a trabalhar, a lutar, que aprendem em diversos contextos e de variadíssimas formas, que constroem uma família, que contribuem para o desenvolvimento de um país, homens que muitas vezes não sabem que sabem, que sorriem como crianças envergonhadas quando lhes dizemos "está a ver, aquilo que sabe é muito mais do que pensa, só tem que acreditar nisso!". Poder partilhar da transformação interior que muitos destes homens vivem é, sem dúvida, um privilégio, que acaba por superar muitas das dificuldades que sentimos. É inexplicável a sensação quando um adulto nos diz: "hoje sinto-me diferente, desde que iniciei o processo RVCC que percebo que sou alguém, que sou importante"... É isto que muitas vezes dá sentido ao nosso dia.

20.1.09

Literacia emocional

"À capacidade de ler os afectos nos outros chamamos literacia emocional, e devia ser uma capacidade tão presente e desenvolvida em cada um de nós como a de ler, escrever e contar. (...) Hoje, grande parte dos problemas que enfrentamos têm como base uma profunda literacia emocional, isto é, uma incapacidade de ler e respeitar o mundo emocional dos outros... A causa? A incapacidade de muitos adultos de se lerem a eles próprios em sociedades que investem profundamente no exterior esquecendo o interior, desprezam os sentimentos achando-os um entrave ao pensamento (quando são a sua base), não compreendem as ligações da parte física à psíquica, ignoram a importância do bem-estar individual para o social e não criam espaços de aprendizagem e trabalho saudáveis e criativos."
Pedro Strecht. (2004). Quero-te Muito. Crónicas para Pais sobre Filhos. Lisboa: Assírio & Alvim.

A "literacia emocional" de que Pedro Strecht nos fala faz-me pensar em muitas situações, em muitos contextos. Mas neste momento faz-me sobretudo pensar na importância da literacia emocional no trabalho com adultos, seja em formação, em processos RVCC ou outros. Ter a capacidade de "ler" os afectos, os sentimentos, as emoções, ser humano, estar com e para. E o que digo não tem nada a ver com o "psicologizar" estes processos (embora essa seja uma tentação e um risco, sobretudo de quem vem da área de Psicologia), mas apenas com o "humanizar". Ouço falar de números, de centenas, de milhares... é algo que me faz muita confusão. Quem fala das pessoas que estão por detrás dos números?... Nós trabalhamos com pessoas, com seres humanos! Era importante que se pensasse mais nisso... nas pessoas, só por si. Era importante aprender a ler... afectos, emoções e sentimentos... para lá dos números...

18.1.09

A linha da vida

O Balanço de Competências contempla não só uma viagem ao passado, mas também uma viagem ao interior de si próprio. Essa viagem continua no tempo actual e é projectada para o futuro, sem nunca esquecer de vista as competências, mas também sem esquecer aquilo que é a pessoa, o que fez, em que contextos se moveu, o que contribuiu para o rumo que a sua vida tomou, o que pode mudar para (re)formular o projecto.

"Exigente, equilibrada e diversificada, a história de vida construída rejeita, em termos teóricos, ser só cognitivista (enfatizando o escolar), como também enjeita a perspectiva predominantemente psicologista (centrada quase só na personalidade e descurando as competências)."
Nogueira, I. (2002). Projecto EFA. In Silva, I., Leitão, J., Trigo, M., Educação e Formação de Adultos: Factor de Desenvolvimento, Inovação e Competitividade. ANEFA, pp. 77-83.

A viagem de cada pessoa que aceita o desafio de realizar um balanço de competências acontece através daquilo a que podemos chamar a "linha da vida"...