18.3.09

Quem são os analfabetos afinal?...

Hoje tive uma experiência marcante, para juntar a tantas outras que vou vivendo nos percursos da vida. Hoje bateu-me à porta um senhor. Estava muito sujo, de barba por fazer, primeiro pensei (no pensamento estúpido que vamos formando na rotina dos dias...) que se tivesse enganado. Mas não, era mesmo para o Centro, percebi-o assim que se sentou e me disse, com um olhar vivo e brilhante, que há muito tempo que ouvia um anúncio na rádio por "causa de se voltar à escola". O mesmo olhar que reconheço sempre em quem tem curiosidade, em quem quer aprender, sempre mais e mais, contra o fatalismo da idade ou das convenções sociais. O senhor não tem quaisquer habilitações, não sabe ler nem escrever, apenas assinar o nome numa escrita rudimentar, que fez questão de me mostrar no novíssimo Cartão do Cidadão. Pegámos nesse mesmo cartão para tentar ver o que sabia o senhor afinal. Soletrou com orgulho: P-O-R-T-U-G-A-L. Não sabe juntar as letras, por isso, apesar de as soletrar, não sabia que ali estava escrito o nome do seu país. Fiquei esmagada. Não por ser a primeira vez que contactava com uma pessoa analfabeta ou por achar que não existem (há quem diga por aí que o analfabetismo em portugal é "residual..."). Felizmente vivo no mundo real, real demais. No mundo em que há um senhor de 68 anos que me diz: "tem-me feito mais falta ler e escrever do que o pão". No mundo em que no ano passado, recentemente, não foi autorizado um curso de alfabetização para 9 (N-O-V-E) pessoas. Porque eram só N-O-V-E. Não hei-de descansar enquanto essas nove pessoas, mais o senhor Artur, mais outras que estejam "perdidas" noutras instituições tenham a OPORTUNIDADE de ter o direito fundamental de aprender a ler e a escrever. Quando lhe disse que, neste momento, não tinha resposta para lhe dar, o senhor chorou e disse "nós é que precisávamos! tem-me feito tanta falta! eu não pude mesmo estudar, com 4 anos já andava a criar cabras". Este é o Portugal real, fora dos gabinetes onde se decide a certificação e/ou a qualificação. Deixei-me estar com o senhor Artur, sem olhar para o relógio, sem pensar em sistemas informáticos que tentam controlar o nosso tempo. E naquele momento ouvi aventuras vividas em França, em Espanha, e a dureza da vida que o afastou da escola, que agora procura, com 68 anos, disposto a ir "para onde for" para aprender a ler e a escrever. "Vai aprender", respondi-lhe.

3 comentários:

  1. Belíssima história, se for real tanto melhor!

    Precisamos aprender com os "velhos" que mesmo sendo "analfabetos" das letras, são Phd's da vida!

    abs,

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  2. Olá Mafalda,
    Infelizmente esta é mesmo a realidade do nosso Portugal. Uns ficaram analfabetos porque se acomodaram, outros porque não tiveram oportunidade, ou não a souberam procurar. É muito triste quando alguém como este Senhor procura ajuda e não a obtém , porque uns tantos espertos sentados no seus Gabinetes, se acham muito cultos e não têm ideia nenhuma do país real. Infelizmente a falta de conhecimento sobre a realidade estende-se a todas as áreas.
    bjs

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  3. Olá Márcia! Já visitei o seu espaço de poesia, do qual gostei muito. Parabéns! :))
    Infelizmente, a história é real. E é verdade o que diz, tantas vezes os analfabetos são os mais sábios, os mais cultos, aqueles com quem temos mais a aprender sobre a vida!...
    Um beijo e obrigada pela visita!
    Mafalda Branco

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